sábado, 16 de agosto de 2008
Ponte [1]
Não sei se a vontade de pular da ponte é por saber quem sou, ou exatamente pelo contrário. Quando tudo na vida se parece com um filme, descubro que ele é mais real do que as agulhadas em dia de vacina. Mas eu gosto da vida assim, tipo vacina de gotinha. Dessas que não doem, mas fazem efeito. O grande problema é que quando tudo parece estar calmo, tranqüilo, resolvo pular da bendita ponte e fingir que estou me afogando. Na verdade não é um fingimento, é uma vontade de me afogar mesmo. Peço ajuda pra que de repente me dê uma cãibra e eu morra afogada, e encontrem meu corpo inchado e roxo. Aí descubro que a culpa toda é de minha mãe, que me forçou a freqüentar aulas de natação em dias que a temperatura batia menos 3º.
Realmente. Minhas torturas começaram ainda na infância. Lembro-me do tremor que sentia quando chegava o natal e com ele, aquele velhinho safado, com barba branca e um saco vermelho. Ele era gordo. E como ele a ceia. Disso eu gostava. Gostava da mesa cheia de queijos e pães. De todos os tipos. Gostava dos presentes e das pessoas fingindo alegria. Gostava das risadas altas. Gostava porque as pessoas demoravam em minha casa porque tudo deixava de ser vazio e chato como antes. Mas pra que eu tivesse tudo isso, eu precisava aturar aquele velhinho. Ta, tudo bem. Eu agüentava ele, mas gritava até ficar roxa.
Não, isso não é um momento nostálgico de reflexão. É apenas um momento de reflexão. Alguém um dia me disse que eu vou casar e ter filhos. Homens. Meninos. Mas o que eu faço pra que isso aconteça. Nada! Reservo-me a filmes e livros. No máximo uma música alegre. E a culpa é de minha mãe e do papai Noel.
Entenda. É simples. Não sei se estou preparada para ter alguém assim, simplesmente “pro resto de minha vida”, ou fazendo parte de grades momentos (e eles existem?). Mesmo assim, reclamo porque os homens são complicados. Mas quando estou com eles, eu chuto. Pra fora. Sempre. E sigo. Compro o jornal e o pão. E mais um vez, tomo meu café da manhã sozinha.
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